Se está a ler este post, é provável que sofra de ansiedade. Não aquela ansiedade “normal”, que faz parte da nossa auto-preservação e que serve, justamente, para nos manter alerta, capazes de nos defendermos e protegermos de eventuais ameaças. Essa é a ansiedade que já nos acompanha desde que descemos das árvores e fomos à procura do que mais a savana tinha para nos oferecer. Falo antes, daquela ansiedade que nos tira o fôlego, que faz com que o nosso coração ensaie um salto do peito para o mundo, o mesmo mundo que nos pode assustaramedrontarcongelar e até esconder. Quem sabe, até, aquela outra ansiedade que nos faz amolecer, que nos retira a força de cada centímetro da nossa existência, que nos embebeda de medos. E como esquecer a ansiedade que ameaça estilhaçar-nos? E a que nos suga para o vazio, como se, uma vez no espaço, perdêssemos o contacto com a nave mãe?

Na saúde mental, aquilo que se designa de normal ou anormal, pode ser avaliado pela capacidade que cada um tem para manejar os seus processos mentais, dependendo directamente dos seus recursos mentais e capacidades cognitivas. Esses processos mentais podem estar a um nível consciente ou inconsciente, e pode referir-se, por exemplo, a impulsos, desejos, e, naturalmente, à ansiedade, à medida que a realidade externa nos vai apresentando desafios. Tudo isto é válido para relações amorosas, de amizades, familiares, de trabalho, qualquer que seja o contexto.

São várias as faces desta emoção básica designada de ansiedade, cada vez mais falada e discutida na nossa sociedade, não só por técnicos de saúde mental, mas pela população em geral. Embora, aparentemente, esta discussão aparente ser algo bom, apresenta, do meu ponto de vista, um erro muito importante: a ansiedade não é o problema, mas sim o sintoma. Esta forma errónea de olhar para a situação, leva, facilmente, à definição de um determinado problema através dos sintomas apresentados. Isto está muito longe daquilo que observo na minha prática clínica, pois o sintoma não tem um valor fixo, podendo ter significados diferentes para cada pessoa e para cada situação.

Como tal, a pergunta a fazer é: a que questão, dificuldade ou problemática, se refere a ansiedade?

Como referi anteriormente, a ansiedade é uma emoção básica, a par de outras como a alegria, a raiva, o medo ou a surpresa. Este tipo de emoções não apresentam, só por si, uma continuidade cognitiva, ou seja, não correspondem a um pensamento. Este é um ponto crítico para podermos tratar a ansiedade dita patológica. Para que tenha um significado, uma dimensão pensável, e assim ser passível de tratamento, é necessário que se conecte a uma emoção secundária, das quais são exemplo o ciúme, o orgulho, a vaidade, a vergonha ou a culpa, essas sim, emoções ao alcance do nosso pensamento.

A nossa vida desenrola-se, invariavelmente, num ambiente relacional. Esta é uma condição transversal a todos os seres humanos, desde que dois seres se relacionaram, permitindo que dois gâmetas se fundissem. A história de cada um de nós conta que, de seguida, se inicia uma dança ritmada, entre mãe e bebé, que impõe ritmos fisiológicos e vínculos emocionais que, por sua vez, irão marcar, de forma indelével, a nossa existência. Todas as nossas emoções são, então, uma forma de interpretarmos as nossas experiências com outras pessoas, as nossas relações. Assim, tudo o que vivemos com as pessoas da nossa vida tem um efeito em nós, mesmo que não nos apercebamos. Daqui, deriva outro problema sério: embora o que pensamos seja um derivado daquilo que sentimos, das nossas emoções, as intervenções psicológicas que se fazem mais frequentemente não o consideram dessa forma, o que nos ajuda a entender não só o facto de essas intervenções não funcionarem. Isto obriga o paciente não só a uma procura interminável de ajuda, mas também gera uma crescente frustração a cada tentativa falhada. Esta situação piora consideravelmente a saúde psicológica da pessoa e, em algumas situações, pode até levá-la a acreditar que tem um problema de tal dimensão que ninguém, por mais especialista que seja, será capaz de ajudar. Poderão surgir pensamentos do género “eu não tenho solução”, “eu nasci assim e não há solução”, “ a ansiedade é genética e faz parte de mim”, “isto é tão mau que ninguém me pode ajudar”, ou, mais ainda, “eu sou tão mau que niguém me consegue ajudar”. Podemos então entender que, se o problema é não conseguir pensar a emoção, e assim atribuir-lhe um significado que possa ser pensado e, por sua vez, encontar a melhor forma de a manejar, então estamos perante uma dificuldade de contactar com a própria vida emocional. Se, como referi anteriormente, a nossa vida acontece na relação, isso também significa que é através da relação que aprendemos a conhecer as nossas emoções. Para isso, contamos, ao longo do nosso crescimento, com a ajuda dos adultos responsáveis por nós, sejam ou não os nossos pais, para nos ajudar a identificar, nomear e pensar acerca das mesmas, de forma a que estas fiquem arrumadas na nossa mente. No entanto, quando as nossas experiências emocionais não são respondidas de forma consistente, ou são rejeitadas por esses adultos significativos, isso pode levar-nos a acreditar que há elementos da nossa vida emocional que não são bem vindos ou aceitáveis. Uma vez que dependemos destas pessoas a todos os níveis, a reacção mais natural será reprimirmos esses aspectos da nossa vida afectiva, por forma a manter o vínculo com essas pessoas tão importantes para nós. Assim, as nossas emoções ficam como que escondidas, sem nome, sem forma de as pensarmos, e terão de procurar um novo caminho na nossa mente. É neste ponto que se transformam em sintomas, em especial, em ansiedade.

As situações relacionadas com ansiedade que surgem na minha práctica quotidiana são variadas. No entanto, poderei dizer que, mais frequentemente, recebo pacientes que apresentam uma forma de pensar acerca de si próprios bastante fragmentada, difusa, frágil e incoerente. Muitas vezes, o sentimento de vazio tem uma prrsença proeminente, representando a falta de algo no interior da pessoa, mas que é algo que não se pode precisar. Pode também ser acompanhado de uma acentuada falta de vigor e energia psíquica, falta de ilusões, incapacidade para enfrentar as situações da vida e dificuldade nas relações interpessoais.

Outra questão que importa referir, é a questão do pânico, que pode ser  descrito como uma intensa angústia, frequentemente provocada por um medo que a pessoa tem de dissociação ou dissolução. No fundo, falamos de um medo exacerbado do que rodeia a pessoa, das outras pessoas, de possíveis acontecimentos. Podemos fazer aqui ligação com outro cenário que encontro muito frequentemente: um funcionamento psíquico de tipo fóbico ou evitativo. Nestas situações, é comum uma tendência para se sentir pequeno, desadequado e ameaçado. Um sentimento generalizado de não estar à altura da própria vida.

Poderia descrever inúmeros perfis ou contextos. No entanto, o ponto mais importante é que, se estamos a falar de ansiedade, estamos, muito provavelmente, a falar de alguém que teme as suas próprias emoções, mesmo que, conscientemente, a pessoa tenha vontade de explorar a sua vida afectiva. O problema é que, inconscientemente, estarão a correr outros mecanismos que, não estando ao alcance do entendimento da pessoa, impedem o contacto com essas emoções, mesmo querendo fazê-lo. A pessoa não tem qualquer responsabilidade na situação, é sim vítima de aspectos desconhecidos do seu funcionamento psíquico.

evitamento de tomar conhecimento dos seus estados emocionais internos ajuda a explicar o sucesso de terapias superficiais que não implicam uma auto-reflexão nem auto-conhecimento e prometem respostas pré-concebidas, prontas a serem aplicadas a qualquer pessoa, independentemente da sua história, contexto ou desejo. Aqui enquadro tanto as terapias farmacológicas como as não farmacológicas. A propósito deste último ponto, chega a ser impressionante a quantidade de psicofármacos que uma só pessoa pode experimentar ao longo de uma vida de afastamento da sua própria vida emocional. Não diria que esses psicofármacos não têm qualquer função ou benefício, mas é importante ter em mente que não constituem um tratamento, pois incidem sobre o sintoma, controlando-o apenas. No entanto, este tipo de ajuda é, muitas vezes, determinante para que a pessoa continue a funcionar do ponto de vista intelectual e ter força para procurar ajuda psicoterapêutica. A este nível, a psicoterapia, que é a base da minha intervenção clínica, é fundamental para a compreensão da problemática por detrás do sintoma ansiedade ou do pânico. O trabalho terapêutico a fazer será então a criação de uma relação segura, de confiança, entre psicoterapeuta e paciente, que permita o aparecimento dessas experiências afectivas que estão a gerar a sintomatologia. Volto a realçar que, na esmagadora maioria das vezes, esses conteúdos afectivos estão a um nível inconsciente ou pré-consciente, ou seja, a pessoa não tem a menor noção da sua existência na sua mente, ou então estão a um nível que pode ser acedido de forma consciente, mas a pessoa não os conecta com a problemática em si. Estabelecida a relação terapêutica, que deve ser continua e consistente, a vida emocional até então reprimida, pode ser gradualmente integrada na consciência da pessoa, deixando assim de ser necessário o sintoma, neste caso, a ansiedade patológica ou o pânico.