Embora frequentemente dolorosa e perturbante, a ansiedade é essencial para a nossa existência, pois tem uma função de protecção. Um aviso, um alarme ou um lembrete são boas analogias. Se olharmos de uma óptica antropológica, terão sido os nossos antepassados que mais rapidamente identificaram e reagiram aos seus sinais de ansiedade, que não acabaram «no prato» de um leão, e é a essa ansiedade que devo agradecer a possibilidade que me deram de estar aqui a escrever sobre ansiedade.
A preocupação com o perigo ajuda-nos a controlar melhor os riscos e a procurar segurança. É uma perspectiva sócio-evolutiva, que nos ajuda a entender o fenómeno da ansiedade de um ponto de vista global. Ainda que para os nossos ancestrais sobreviver estivesse mais directamente ligado a viver ou não, na actualidade, felizmente, o perigo de vida não é tão eminente. Sendo mais frequente lidar com a sobrevivência de formas mais simbólicas. Estamos mais libertos dos imperativos existenciais, ficando mais espaço livre para a fantasia. A humanidade evoluiu, a sociedade organizou-se e o capitalismo instalou-se. Daí por diante, o dinheiro passou a simbolizar uma boa parte do perigo, adquirindo um simbolismo omnipresente nas nossas vidas. Associamos dinheiro a força, poder e, mais do que tudo, independência. O problema da dependência é um dos mais paradoxais na nossa vida. Queremos valer pelas nossas conquistas e pelo nosso valor individual, mas passamos os primeiros meses de vida dentro do útero de outra pessoa. Começar mais perto e dependente de outra pessoa não seria possível, e é essa mesma relação que começa por estabelecer os nossos ritmos — primeiro, fisiológicos; e depois, sociais.
É neste ponto que a relação com o outro é intermediada pelo simbolismo do dinheiro, pois ser independente numa sociedade organizada num sistema capitalista é, acima de tudo, ser financeiramente independente. A ideia é: «Se tenho dinheiro, sou forte, capaz e independente; se não tenho dinheiro, sou fraco, incapaz e dependente”.
Tudo isto se complica quando as ameaças a essa pretensa independência financeira podem não ser reais. Como tal, quando se trata de um estado ansioso, um teste de realidade é sempre a primeira coisa a fazer, e na ansiedade financeira não é diferente. Essa avaliação é complexa, pelo que um psicólogo é a pessoa mais indicada para ajudar a fazê-la. No caso de os motivos da ansiedade financeira serem reais e objectiváveis, como é frequente, o que um psicólogo pode oferecer é apoio psicológico, que consistirá na criação de um espaço relacional que possa ser usado para sentir e falar do seu medo e sofrimento, de forma acompanhada. Não há razão para não sentir o que é real, ainda que doloroso, e também não há necessidade de o fazer sozinho/a. Não sentir bloqueia o sintoma, que tem a função de alertar para o problema. E bloquear o sintoma apenas gera outro sintoma, e o problema lá continuará. Este contacto com o que a pessoa está a sentir pode ser crucial na gestão do sofrimento, permitindo controlar uma eventual subjugação do pensamento racional pela experiência emocional, bloqueando a pessoa e dificultando a possibilidade de encontrar soluções práticas.
Também é possível haver ansiedade relativa à vida financeira sem uma razão objectivável. Isto não significa, necessariamente, que estejamos perante uma patologia. Estas desadequações são comuns, ainda que igualmente desagradáveis e geradoras de sofrimento psicológico. De forma simplificada, é nas relações com pessoas significativas que desenvolvemos as matrizes que norteiam a compreensão do mundo à nossa volta. Quanto mais importantes são essas pessoas, mais potente é a interiorização dessas matrizes, e o mesmo poderá ser dito para o período de desenvolvimento em que ocorrem: quanto mais cedo, mais força têm. Além de não podermos evitar a dependência desses outros para aprender a ver o mundo, também não podemos evitar aprender tanto as suas qualidades, como as suas dificuldades. Isto para dizer que ninguém nasce com ansiedade financeira, pelo que o que há a fazer nestas situações é ajudar a pessoa a libertar-se das matrizes interiorizadas nessas referidas relações anteriores, que moldaram o seu desenvolvimento, e promover a procura das suas próprias matrizes de leitura do mundo. Falo, naturalmente, de ajudar a encontrar a identidade da pessoa, a sua identidade dentro de uma dependência relativa, que é o máximo a que podemos almejar. Isto requer um trabalho em profundidade, normalmente associado a uma psicoterapia profunda, que ocorre de forma mais duradoura e consistente no tempo.
Concluindo, a ansiedade é uma característica humana especial, que contribui para a nossa sobrevivência, seja ela financeira ou não. Quando gera sofrimento e/ou impede a pessoa de seguir o seu próprio caminho, o melhor será consultar um/a psicólogo/a para perceber de que forma poderá beneficiar da psicologia.